Ao ler a solicitação da atividade sobre a Interterritorialidade nas Artes, cujo o resultado aqui se revela, pesquisar “sobre uma obra (espetáculo, performance, etc.) onde haja a interação de pelo menos duas linguagens [artísticas]”, imediatamente me lembrei da obra de Pina Bausch na companhia Wuppertal Tanztheater, que criou na Alemanha. Pina Bausch foi uma dançarina, educadora, coreografa e diretora, de origem alemã, considerada a criadora da dança-teatro – tanztheater em alemão, performatizando a dança moderna em diferentes palcos e espaços, e provocando experiências estéticas significativas nos bailarinos da sua companhia (provenientes de vários países do mundo, inclusive o Brasil) e seus públicos.
Descrevo neste momento uma das vídeo-danças-teatro presente no longametragem com carácter de documentário: “Pina, dance, dance, otherwise we are lost”, produzido pelo diretor Wes Wenders, que recortada no YouTube foi intitulada como “The fall dance” 1 , pelo usuário que fez o upload, permitindo nova análise. A vídeo-dança-teatro mostra a interação entre um casal: um homem e uma mulher vestidos a rigor (junção comum nas composições de Pina).
A mulher está usando um longo vestido preto com flores de cor vinho, no modelo tomara que caia, caimento formal; enquanto o homem está vestido com um terno azul claro e camisa branca. O cenário é um jardim aberto em tonalidade verde, com um pequeno terraço cinza com escadas que dão acesso ao gramado. Durante a performance a dançarina anda pelo jardim com passos aparentemente determinados, ágeis, olhar pesaroso, porém, o homem que a acompanha, anda lentamente se interpondo entre ela e seu destino indeterminado, mas que parece buscar qualquer lugar longe dele. O dançarino então vai de encontro a ela, se colocando em sua frente. A dançarina para, e então despenca, com o corpo rígido, mas resiliente. O homem a segura pelos ombros e a levanta, enquanto ela movimenta as pernas reencontrando o equilíbrio, ao mesmo tempo que é empurrada na direção contrária da que antes ia. Ao se levantar, ela muda de direção, se encaminhando para outro sentido, longe do dançarino. A performance assinalada compõe de maneira híbrida várias linguagens artísticas, em especial a dança e o teatro, assim como se sucedeu no processo de montagem do espetáculo “Enquanto Dure” (DALLAGO, 2017), que também tratava em sua narrativa sobre as relações entre um casal mesclando teatro, dança e vídeo.
O movimento dançado constrói um significado expressivo de maneira dramática, em que se estabelece uma narrativa entre um casal de amantes. Tania Mara Meireles, artista plástica, bailarina, coreógrafa, maître de balé, e preparadora corporal, cita as reflexões de Fayga Ostrower para escrever sobre a relação entre forma e conteúdo nas artes, trabalhada de forma semelhante às reflexões de Dewey no livro “Arte como experiência”. A forma é a materialização de uma intenção, carregado de emoção, e se relaciona ao que se quer expressar, ao significado e imagem mental antes indizível, e agora expressa esteticamente por meio de uma estrutura que demonstra sua intenção. O sentimento que desponta em relação ao trecho supracitado do documentário de Wenders, é de uma relação amorosa opressiva, em que a figura masculina interpela uma mulher que lhe quer distância, mas que sucumbe diante das múltiplas tentativas frustradas de se distanciar. O cenário de um espaço aberto estabelece uma tensão na contradição entre a mulher que está “presa”, encarcerada em um relacionamento da qual busca escapar. Meireles escreve que nosso olhar é determinado pelos nossos interesses, que são condicionados pelo meio cultural em que vivemos, pois como diz Vigotski, o ser humano é fundamentalmente social. Neste viés é importante educarmos nossos alunos para que se tornem críticos das interações que estabelecem com seu meio cultural, carregado de formas e significados que são modificados por eles, ao mesmo tempo que os modificam. O significado de um objeto material, enquanto obra de arte é alterado de acordo a forma em que se materializa, da mesma maneira que a forma também é capaz de alterar o significado que expressa. Neste viés, uma simples alteração na expressão da dançarina que demonstrasse felicidade, ou uma modificação na coreografia que fizesse com que a dançarina fosse ao encontro do homem, ao invés dele vir de encontro a ela, poderia transmitir pela forma da dança-teatro, o significado de que ambos estavam envolvidos em uma relação amorosa feliz. A arte/educação nos conscientiza desta interlocução, permitindo com que percebamos a relação umbilical entre ética e estética, visto que a estética está imbuída de uma ética que expressa, sendo capaz de (re)significar a ética e vice-versa, como escreve Meireles: “A forma, então, apresenta-se como elemento impregnado de significados artísticos com seus conteúdos expressivos que ampliam nossa sensibilidade e nossa consciência diante do mundo.” (p. 4, s.d.).
Referências:
DALLAGO, Saulo Germano Sales. Hibridismo e Fragmentação: a junção de ling uagens artís ticas na mo ntagem do espetác ulo Enq ua nto Dure – 2015. http://www.revistas.udesc.br/index.php/urdimento/article/view/1414573103302017 090. Acesso: junho, 2018. MEIRELES, Tânia Mara Silva. FORMA EM MOVIMENTO: um diálogo entre as Artes Plásticas e as Artes Cênicas. Disponível em: Acesso: junho, 2018.