Reflexões sobre a produção do site de autoaprendizagem

Neste post escrevo minhas reflexões sobre a produção do meu primeiro site de autoaprendizagem para a primeira infância, que está sendo importado para este novo link.

Educar criticamente pressupõe dialética. Pressupõe diálogo horizontal, democrático, respeitoso entre os humanos envolvidos, e entre os conhecimentos que necessários à formação humana. Uma educação crítica é aquela que considera as culturas em suas multiplicidades de interpretações, vivências, experiências e principalmente potencialidades de re-significação e transformação.

Paulo Freire salienta a importância da consciência da essência mutável da cultura e da realidade natural (1996, p. 96) como algo imprescindível na educação crítica. A educação mecânica, bancária e tecnicista tem difundido a ideia de que a realidade é imutável e somos nós que devemos nos adaptar à ela.

Ora, quem cria a realidade? A cultura não significa, em sentido estrito, a natureza transformada pelo ser humano, tudo aquilo que o ser humano pensa e expressa? A realidade não é produto da cultura? Portanto a própria realidade é transformação, e ter consciência dessa característica potencializa a mudança de si e da sociedade para um meio comum mais crítico, mais belo, mais democrático, menos bolsonaro.

A cultura, como já pontuado em outras postagens deste blog e no projeto deste site, é composta pelo ambiente digital (interconexão entre discurso audiovisual, oral e escrito) e não digital. A educação crítica que pensa a realidade e a perspectiva histórica-cultural e mutável do ser humano, logo não pode se eximir de pensar a tecnologia e as possibilidades que ela traz e perigos em ignorá-la. Paulo Freire escreve:

A compreensão crítica da tecnologia, da qual a educação de que precisamos deve estar infundida, e a que vê nela uma intervenção crescentemente sofisticada no mundo a ser necessariamente a crivo político e ético. Quanto maior vem sendo a importância da tecnologia hoje tanto mais se afirma a necessidade de rigorosa vigilância ética sobre ela. De ética a serviço das gente, de sua vocação ontológica, a do ser mais e não uma ética malvada, como a do lucro, a do mercado. Por isso mesmo é que a formação técnico-científica de que urgentemente precisamos é muito mais do que puro treinamento ou adestramento para o uso de procedimentos tecnológicos. (1996. p. 101-102)

É neste viés que se elabora a construção deste site pedagógico e-teatro/educativo, destinado a crianças desde a primeira infância, e que pretende discutir e trabalhar criticamente os conteúdos tecnológicos que circundam sua realidade histórico cultural.

O problema central que tem orientado o projeto de intervenção e-teatro/educativa de construção deste site pedagógico de autoaprendizagem foram os consumos midiáticos realizados por crianças desde a primeira infância, no que tange aos pré-conceitos e estereótipos sexistas e machistas de gênero que estes consumos podem estar disseminando.

O tema que orientou este projeto e que está agora em estudo e experiência teve início em uma das disciplinas do curso de especialização em Arte/Educação Intermidiática, em que comecei a fazer uma pesquisa acerca de como os consumos midiáticos das crianças do Departamento de Educação Infantil do CEPAE/UFG influenciavam seu pensamento, brincadeiras, comunicação e relações entre os colegas, familiares e educadores.

Neste momento se tornou evidente uma grande lacuna nos estudos acerca dos consumos midiáticos e uso das tecnologias realizados pelas crianças da primeira infância, e principalmente das ideologias sexistas ali disseminadas.

Assim, a realização deste projeto tem sido importante para pensar as possibilidades de interlocução entre ambiente digital e não digital na educação infantil, além de contribuir na interlocução com as famílias das crianças na formação das mesmas (visto que está é uma ação conjunta entre a escola, família e sociedade), e de estar mais perto dos educandos, e não mais restrito ao tempo limitado de poucas aulas de arte semanais (como no caso da maioria das escolas regulares).

Este site pedagógico de autoaprendizagem permitiu também com que eu pudesse repensar minhas práticas na sala de aula, ao explanar conteúdos e dúvidas de alunos da ITEGO em Artes Basileu França para além do espaço físico escolar, por meio de vídeos, livros digitais, aplicativos de desenho, etc., proporcionando atividades a serem realizadas com as famílias, e também novas formas de trabalhar os roteiros teatrais que desenvolvemos ao longo do segundo semestre.

O ITEGO em Artes Basileu França tem vivido um momento histórico de luta, dentre muitos, pela sobrevivência da escola, agora de responsabilidade de uma Organização Social, empresa privada responsável por gerir o dinheiro público de maneira hierárquica, bem distante de qualquer possibilidade de gestão democrática. Neste momento o site e aplicativos tecnológicos como whatsapp permitiram com que o trabalho iniciado no período antes da greve (pelo pagamento dos salários atrasados de professores e funcionários e manutenção de todas as vagas para os alunos) pudesse prosseguir, mas agora como expressão das crianças de uma luta pela manutenção da escola, materializada nas manifestações artísticas no dia 31 de outubro no Palácio Pedro Ludovico, e 4 de dezembro na Assembléia Legislativa.

Este projeto tem me feito refletir melhor sobre as questões sociais dos estereótipos de gênero disseminados nos conteúdos digitais que aparecem especialmente na corporeidade das crianças durante as aulas de teatro, e o quanto estão imbricadas na identidade das crianças: meninas tendem a fazer movimentos mais relacionados ao balé, enquanto meninos buscam movimentais que denominam mais como “radicais”. O quanto disseminamos estas crenças nas ações pedagógicas cotidianas?

Aprender demanda pesquisa e experiência. Apenas conheceremos o mundo tecnológico e as influências deste na formação da criança pequena intervindo nele, como diz Paulo Freire:

O professor que pensa certo deixa transparecer aos educandos que uma das bonitezas de nossa maneira de estar no mundo e com o mundo, como seres históricos, é a capacidade de, intervindo no muno, conhecer o mundo. (2011, p. 30)

 

 

 

Referências:

 

FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 43º ed. São Paulo: Paz e Terra, 2011.

 

_____. Desafios da educação de adultos ante a nova reestruturação tecnológica. In.: FREIRE, P. Pedagogia da indignação: cartas pedagógicas e outros escritos. p. 87-102FRIDMAN. Ana Luisa. Corpo, conhecimento e música: estudos e reflexões sobre o aprendizado musical. Revista Acadêmica de Educação do ISE Vera Cruz. v.3, n.1, p. 119-129. Mar. 2013.

 

GIROUX, Henry. Os professores como Intelectuais. Rumo a uma pedagogia crítica da aprendizagem. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997.

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